quarta-feira, 30 de maio de 2007

A solidão e a bondade

Levantou às 6:00. Calçou os chinelos e foi lavar o rosto amarrotado. Fez café, pegou uma xícara branca faltando uma lasquinha de esmalte e encheu três quartos dela. Pegou dois pães-de-queijo e foi para a janela da sala do pequeno apartamento. Cruzou os braços, apoiou os ombros na janela e tomou o café vendo a cidade começar a se formigar ao levantar do sol. Céu nublado, tempo bom para usar velhos agasalhos.

Se lembrava das boas pessoas que marcaram sua vida. Lembrava principalmente daquelas alegres e que conseguiam sempre arrancar dela nem que fosse um sorriso tímido e quieto. Lembrar disso a fez bem naquela manhã.

Desceu as escadas. Teria de andar seis quarteirões para ir a um psicólogo.

No segundo quarteirão caminhado, viu um rapaz novo, aleijado, sentado aos pés de uma árvore na calçada. O rapaz olhava para uma fotografia no chão, sorria timidamente e estava com uma das mãos apoiando o queixo - como se lembrasse de alguém que marcou sua vida.

Em um próximo quarteirão, se deparou com uma criança engraxando os sapatos de um velho senhor. A criança estava suja e provavelmente tinha passado frio na noite. Porém ela sorria enquanto polia os sapatos e tinha uma fotografia na sua caixa de ferramentas de trabalho.

Resolveu voltar em casa. Tirou da gaveta um cobertor e três blusas. Enrolou os pães-de-queijo que ainda tinha com alguns guardanapos. Desceu as escadas e foi distribuir sua ajuda aos dois meninos que havia visto.

Depois voltou para casa e ficou relembrando o passado até o céu ficar estrelado.

Aquele dia fez bem àquela solitária e simples mulher.


No gramofone
Artista: Stereophonics
Canção: Have A Nice Day
Álbum: Just Enough Education to Perform

segunda-feira, 28 de maio de 2007

O dinheiro e as letras da vida

A menina enfim havia terminado os estudos no colégio. Agora podia fazer uma faculdade e se especializar naquilo que ela quisesse.

Decidiu fazer Letras porque queria ser professora de idiomas. Com o sorriso largo e mais brilhante que aquelas janelinhas metálicas dos prédios na hora do pôr-do-sol, foi cantarolar a notícia a seus pais. O pai era médico e a mãe era dona de uma grande empresa de cosméticos. Ambos disseram à menina que Letras não era um curso que daria à ela um bom futuro e não haveria tanta possibilidade dela conseguir muito dinheiro.

E de repente a luz brilhante das janelinhas se apagou e o sorriso da menina escureceu como o breu da noite.
Ela passou a se perguntar se dinheiro realmente era uma coisa tão boa a ponto de poder influenciar e formar uma decisão tão importante para a vida dela. Perguntou aos amigos e todos responderam não.

O homem tem muita disposição para ganhar dinheiro. Ele rouba e vive por dinheiro. Porém na hora que a velhice bate com a bengala na cabeça dele, o ser humano se torna mais sensível, pensa muito no passado e até se arrepende. Mesmo com o nariz e as orelhas servindo de apoio para um objeto, ele passa a assistir que deveria ter roubado e vivido um grande amor. Nenhum dinheiro.

Quando os bípedes pensantes envelhecem, todos se tornam frágeis e com um mesmo destino que nenhum dinheiro pode comprar.

A menina teve personalidade, fez o que queria e foi alguém feliz.

No gramofone:
Artista: Maritime
Canção: German Engineering
Álbum: We, The Vehicles

sábado, 26 de maio de 2007

O desacreditado

Durante parte de sua vida, Samuel foi visto pelos outros como alguém devagar na busca pelos seus objetivos. Não alguém aventureiro, simplesmente devagar. Mas as pessoas que estavam à volta dele, contrastavam com o menino e pareciam ter os sonhos bem escolhidos e estavam tranqüilas com o caminho dos objetivos individuais.

E com o girar dos ponteiros, Samuel foi se distanciando destas pessoas, não de forma intencional, mas sim por que o destino é como um coador de café.

O garoto simples foi ficando cada vez mais sozinho. Enquanto aquelas outras pessoas se sacrificavam muito pelo excesso de confiança e solidez, Samuel brincava e estudava o mundo e a vida, passando a ver e conhecer o que realmente queria.

E acabou que aquele que era visto como devagar se tornou alguém muito bem consigo mesmo. Alguém que se conheceu melhor. Uma pessoa que viu muitos pores-de-sol e várias noites estreladas. Enquanto elas se engravatavam, buscando a "felicidade sólida" e irascível, Samuel descobria a felicidade pela essência.

No gramofone
Artista: Nando Reis
Canção: Dentro do mesmo time
Álbum: A Letra A

sexta-feira, 25 de maio de 2007

O primeiro dia

O primeiro dia

O primeiro dia de aula do menino na faculdade poderia ter sido melhor. Ele queria, logo no primeiro dia, se tornar amigo de todo mundo. Ficou calado como alguém que não fazia parte daquela comunidade. Só disse seu nome quando o foi perguntado pelo professor que havia apontando um dos dedos para cada um dos alunos e perguntando o nome de cada. Era este cada que o fazia ainda mais no seu canto.

Durante o recreio, ficou quieto em um canto do corredor apenas olhando para as nuvens. A única coisa que tirava sua atenção eram algumas lindas meninas mulheres.

O menino pegou o ônibus já com vontade de voltar para a faculdade e também com vontade de fazer novas amizades no dia seguinte.

No gramofone
Artista: Ben Lee
Canção: Running With Scissors
Álbum: Hey You. Yes You.